quarta-feira, 6 de janeiro de 2016

Meditação

"Às vezes, quando a noite vem caindo,
Tranquilamente, sossegadamente,
Encosto-me à janela e vou seguindo
A curva melancólica do poente.

Não quero a luz acesa. Na penumbra
Pensa-se mais e pensa-se melhor.
A luz magoa os olhos e deslumbra,
E eu quero ver em mim, ó meu amor!
 
Para fazer exame de consciência
Quero silêncio, paz, recolhimento,
Pois só assim, durante a tua ausência,
Consigo libertar o pensamento.
 
Procuro então aniquilar em mim
A nefasta influência que domina
Os meus nervos cansados; mas por fim
Reconheço que amar-te é minha sina.
 
Longe de ti atrevo-me a pensar
Nesse estranho rigor que me acorrenta,
E tenho a sensação do alto mar,
Numa noite selvagem de tormenta.
 
Tens no olhar magias de profeta
Que sabe ler no céu, no mar, nas brasas.
Adivinhas. Serei a borboleta
Que vendo a luz deixa queimar as asas.
 
No entanto - vê lá tu! - eu não lamento
Esta vontade que se impõe à minha ...
Nem me revolto ... cedo ao encantamento ...
Escrava que não soube ser rainha!"

Fernanda de Castro em "Danças de Roda"

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