quinta-feira, 30 de abril de 2015


Macau

"Vejo a cidade pela porta da baía
refulgindo na noite morna
sobre uma ilha de flores de lótus.
Num lago de espelho reflectem-se
as copas frondosas
dos guardiões de Nam Van,
com os cabelos soltos
em longas tranças que balançam
ao vento forte das monções.
 
Ao longe, as ilhas são
um dragão adormecido
sobre um leito de seda escura
que o nevoeiro cobre lentamente
com franjas de pérola rosa ...
 
No mar do Sul da China
Tchang Ku Tang amaciou o musgo
por onde passeiam as concubinas do céu
sulcando com o seu pincel de bambu
o rosto da montanha verde-jade.
 
A terra perfumou-se
com o aroma celestial da A-Má
e a poesia ficou para sempre
naquele lugar ..."
 
Jorge Arrimar. "Fonte do Lilau". 1990

quarta-feira, 29 de abril de 2015


"Eu estou cativo deste Oriente mágico
à espera de vento de feição
que me leve a outro porto, a outro rumo.
A navegação fez de mim prisioneiro de ventos,
de naus e de marés, e as minhas grilhetas
são invisíveis como os fios do destino
que me amarra aos cais da lonjura
como se fosse pecado querer voltar,
como se fosse vileza ter saudades."

José Jorge Letria, "Oriente da Mágoa", 1992

sábado, 25 de abril de 2015

"De manhã à noite brilha lá fora a luz sem se dar conta de que é luz.
As grandes árvores aspiram o silêncio e precisam de descobrir a essência inerente à floresta. As estepes desertas estendem-se indefinidamente de costas sem reflectir sobre a tristeza do seu vazio.
As areias movediças movem-se e não perguntam até quando
ou para quê ou para onde. Todas estas maravilhas são maravilhosas
mas não se maravilham. A lua vermelha que emerge,
semelhante a um olho exorbitado
que abrasa a escuridão do céu, não se surpreende com a sua desolação."

Amos Oz em "O Mesmo Mar"

domingo, 19 de abril de 2015

"Porque o sabor forte daquelas azeitonas longamente marinadas em azeite e dentes de alho, sal, limão, pimenta e folhas de louro, exala por vezes uma aragem do passado: barrancos de pedra, um rebanho, sombras e o som de uma flauta, um sopro melodioso do fundo dos tempos. A frescura de uma gruta, uma cabana escondida no fundo da vinha, um abrigo na horta, uma fatia de pão de cevada e água da fonte."

Amos Oz  em "O Mesmo Mar"

terça-feira, 7 de abril de 2015

"Em Abril de 1934, oito anos depois da morte de Rilke, Lou Andreas-Salomé escreve um apêndice à sua autobiografia, que é uma última «carta» de amor dirigida a Rilke.

Abril o nosso mês, Rainer, o mês anterior àquele que nos uniu. Quantas vezes Abril me faz, e não certamente por acaso, pensar em ti. Porque em Abril se encontram contidas as quatro estações, com as suas horas de uma atmosfera de neve e quase de Inverno, ao lado de outras horas de um esplendor escaldante, e de outras ainda de tempestades quase de Outono, semeando o chão húmido não de folhas desmaiadas, mas de invólucros de flores em botão - e não é verdade que nesse chão habita, a qualquer hora, a Primavera, que reconhecemos antes ainda de qualquer primeiro olhar? Daí o silêncio e a naturalidade que nos uniram, como algo que tivesse existido sempre."

"Correspondência Amorosa" de Rainer Maria Rilke & Lou Andreas-Salomé