sexta-feira, 14 de fevereiro de 2014

Monólogo

"Porque os dias foram meses
e os meses foram anos ...
Porque os minutos e segundos
se esqueceram nos tamanhos ...
Porque os sóis já não têm conta,
nasceram e morreram vezes sem fim ...
Porque múltiplas já fui em mim ...
 
Perdida nas razões,
não sei porque choro.
Ou choro por isso mesmo ser assim?
 
Não tenho certezas ...
Nem dúvidas ... Nem dores ...
Mas ... Não morri prá vida,
nem morri prós amores ..."
 
Jesus Varela

quinta-feira, 13 de fevereiro de 2014

Astronomia Poética







 
Adorei este relógio ("Midnight Planétarium"), concebido pela Van Cleef & Arpels e que irá integrar ainda este ano a colecção "complicações poéticas"!
Mostra em tempo real as posições planetárias do nosso sistema solar, sendo que cada um dos planetas é representado por uma pedra preciosa ou semi-preciosa! As estrelas indicam as horas e os minutos!
Faz meditar sobre a complicação poética de termos o universo no nosso pulso! :))



quarta-feira, 12 de fevereiro de 2014

terça-feira, 11 de fevereiro de 2014

Desiste

"És tu que teimas em saber quem sou
e queres na palavra
encontrar a Alma
que se esconde atrás de cada pensamento.
És tu que julgas conhecer
o rictus, o encolher de ombros
o brilho do olhar, que te devolvo
quando vinda de tão longe
pressinto que me estás a observar.
És tu que queres dizer-me
o que sou e não sou
convencer-me por estares convencido já.
Desiste.
Eu própria não conheço a minha Alma
ansiosa sempre
alada
teimosa
descontente
nunca conformada.
Eu própria ando à procura
de me conhecer
para poder ter norte
e cada vez que agarro a Alma
e a seguro forte
é com desdém
que ela me diz
que a não conheço bem.
Tão mal conheço esta minha Alma.
Tão pouco sei o que pretende e quer
permanentemente a tentar alcança-la
sinto conscientemente que seja o que fizer
me fará falta desesperadamente
poder espreita-la no espelho em que miro.
És tu que julgas poder prever
as minhas emoções
por julgar que me conheces bem.
Desiste.
Eu própria tenho andado a procurar-me
fartei-me tanto e tanto
cansei-me muito mais
e nada.
Só conheço o que posso ver no espelho
em que me miro.
A Alma, esse desafio.
Um dia é uma
outro dia é outra
convencida e confusa
audaz e incapaz
afectiva e livre.
Desiste
nunca serás capaz
de ter o prazer de a conhecer.
Eu não desisto
e quem sabe se num imprevisto
um dia a encontro, enfim, ao espelho
a fixar-me os olhos
e a rir-se para mim."
 
Isabel Sá Lopes

segunda-feira, 10 de fevereiro de 2014


"Os homens podem ser divididos em três grupos ou tipos, e a divisão pode obedecer com acerto à divisão tradicional do espírito - intelecto, emoção ou sentimento, e vontade. Há homens que são puro intelecto: os filósofos e os cientistas; outros puro sentimento: são os místicos e os profetas, os fundadores passivos de religiões ou os propagadores de sistemas religiosos aceites; há homens que são pura vontade: os estadistas e os guerreiros, líderes da indústria enquanto tal, ou do comércio apenas como comércio. Há três tipos mistos: homens de intelecto e sentimento, que são os artistas de todos os géneros; homens de intelecto e vontade, que são os principais estadistas e os construtores de impérios e nações; homens de sentimento e vontade, que são os fundadores e os divulgadores activos das religiões (espirituais ou materiais), os crentes na Mulher Vestida com o Sol e os crentes na democracia."
 
Fernando Pessoa  em "Heróstrato e a Busca da Imortalidade"

domingo, 9 de fevereiro de 2014

"José Cemí recordava dias como que aladinescos quando a avó lhe dizia ao levantar-se: hoje tenho vontade de fazer uma natilla, não como as que se comem hoje em dia, que parecem feitas na taberna, mas as que têm algo de flan, algo de pudim. Toda a casa se colocava então às ordens da velha senhora ...
(...)
Perguntava qual o barco que tinha trazido a canela, mantinha-a longo tempo suspensa debaixo do seu nariz, percorria com a ponta dos dedos a sua superfície, como quem comprova a antiguidade de um pergaminho não pela data da obra que esconde, mas pela sua largura, pelo atrevimento do dente de javali que tinha perfurado aquela superfície. Com a baunilha demorava-se ainda mais, não a abria directamente no frasco, deixando-a antes gotejar no seu pano, e depois, ao final de ciclos irreversíveis de tempo por ela medidos, ia cheirando de novo, até que as emanações daquela essência agoniante se fossem extinguindo, e era então que ela decretava se se tratava de uma essência sábia, digna de participar na mescla de um doce da sua elaboração, ou deitava o frasquinho aberto para a erva do jardim, declarando-o tosco e inaproveitável.
(...)
Voltava com uma autoridade carinhosa, nota da qual a sua extrema delicadeza parecia ser o seu acorde predilecto, e dizia para o Coronel: prepara as formas para queimar o merengue, que já falta pouco para pintar os bigodes ao Mont Blanc, dizia ela rindo-se quase invisivelmente, mas desvendando que fazer um doce era como levar a casa à sua essência suprema. - Não batam os ovos misturados com o leite, mas à parte, têm de se juntar batidos em separado, para que cada um cresça por seu lado, e depois unir isso que cresce entre os dois. Depois submetia-se a súmula de muitas delícias ao fogo, e a señora Augusta comprovava como ela começava a ferver, como ia engrossando até formar os pedaços amarelos de cerâmica que se serviam nuns pratos de um fundo vermelho-escuro, um vermelho surgido durante a noite."

José Lezama Lima  em "Paradiso"

sábado, 8 de fevereiro de 2014

Natureza

 
"As árvores fascinam-me.
Pela força, pelo porte,
até pelo atrevimento
de tocarem nas janelas.
Confortam-me.
Nunca me falam de morte
e limpam-me o sofrimento
de renúncias e querelas.
Na engrenagem do mundo,
num lugar e num segundo,
a vida surge e floresce.
Indiferente, irrequieta,
brota do nada, desperta,
renovação que se oferece."
 
Fátima Vivas

quinta-feira, 6 de fevereiro de 2014

Pedaços

"Hoje não nasci com o Sol.
Nem sempre é possível ...
Hoje não teria «tudo em ordem»
Se tivesse de adormecer com o Sol ao fim do dia.
Pedaços de sonhos secretos ...
Mantenho-os colados ao tecido da alma,
Embrulho-os para os distanciar
E há dias em que
Não os posso ignorar."
 
Catarina Castro

quarta-feira, 5 de fevereiro de 2014

 
"Quando visitava uma cidade, andar a visitar igrejas, museus e galerias apinhados de turistas não era a minha ideia de diversão, mas sim deambular pelos becos calmos cheirando os mercados. Qualquer mercado, de comida, de pulgas, livros antigos ou apenas porcarias, deixa-me feliz durante horas, até mesmo dias. Nunca venho embora desapontada. Há sempre sítios fascinantes de acção e interesse com a verdadeira cor e espírito locais.
Os mercados de comida são sempre o ponto alto, o cheiro, os produtos, as cores, a variedade, e os mercados de Budapeste não me desapontaram. Eram pequenos, em desordem nos subúrbios onde pequenas mulheres de idade com as faces enrugadas pelo sol, vestidas com os trajes tradicionais e os lenços pretos, saias e corpetes apertados de botões com ombros franzidos e em balão, estavam de pé, rígidas, ao lado das magras ofertas de ervas, cebolas e urtigas que elas tinham colhido das hortas da aldeia nessa manhã. E depois havia os mercados grandes, em grande azáfama e bem abastecidos do centro.
No lado Pest da ponte de Liberdade, encontrei um edifício enorme, negro, gótico, dentro do qual estava o Vásárcsnok, o magnífico mercado central. Quando entrei naquele oásis vinda do caos poluído das ruas de Budapeste, era como se o campo tivesse invadido a cidade. Havia uma panóplia de paprikas, quase todos os pratos húngaros usam este pequeno pimento e existe nas mais infinitas variedades, desde suave a doce, picante de queimar a língua e mais picantes, em cores que vão desde o vermelho-ardente até ao carmim, do verde-escuro ao amarelo insípido e manchado. As bancas estavam enfeitadas com coroas de vagens secas vermelho-acastanhadas que pendiam com molhos de alhos-frescos, rechonchudos e potentes. Por debaixo deles, as mesas assentes sobre suportes gemiam sob o peso de frutos secos, nozes, sementes, especiarias, mel e compotas. Noutras bancadas empilhavam-se até bem alto abóboras, pêssegos, marmelos, pêras, rabanetes gigantes e cenouras saborosas.
(...)
Até havia uma bancada de identificação de cogumelos gerida por um professor seco e duro com o cabelo obrigatoriamente revolto e o casaco branco-clínico. Ele conseguia distinguir entre os que se podiam comer e os venenosos para que as pessoas que tivessem andado à procura de fungos nas florestas pudessem ter a avaliação de um perito em vez de, inadvertidamente, acabarem mortas."

Josie Dew  em "Pelo Mundo em Bicicleta"

terça-feira, 4 de fevereiro de 2014

Mário de Sá Carneiro

«Perdi-me dentro de mim
Porque eu era labirinto
E hoje, quando me sinto
É com saudade de mim.»
 
 
"Que procuro? Nem eu sei.
No princípio, meio ou fim,
Do muito que procurei
Perdi-me dentro de mim.
 
Foi tão grande a confusão
Que encontrei, que mal pressinto,
Perdi pois meu coração
Porque eu era labirinto.
 
Sem saber o que fazer,
Como sair do recinto,
Sensação de entontecer
E hoje, quando me sinto.
 
Querer de novo viver,
Do princípio até ao fim ...
E se algo acontecer,
É com saudade de mim."
 
António Boavida Pinheiro


segunda-feira, 3 de fevereiro de 2014

 
"Diz-se que a Índia pode fazer coisas estranhas à nossa mente, e eu posso confirmá-lo. Na Ásia fazia coisas que nunca sonharia fazer em Inglaterra. Como é que os utentes num comboio apinhado com destino a Londres reagiriam se eu, de repente, subisse pela janela ou me servisse, sem ser convidada, do saco cheio de batatas fritas de outra pessoa? Imaginem, no mesmo comboio em Londres, um homem de negócios a ler o seu jornal, um escudo que declara sem palavras: «Eu estou a manter erguida a minha barreira, The Times, já que não tenho qualquer desejo em falar com as pessoas que me rodeiam.» Qual seria a sua reacção se eu me levantasse do meu lugar oposto ao dele e, perentoriamente, removesse o escudo protector das suas mãos suspensas e, como se fosse a coisa mais natural do mundo, começasse a lê-lo? Ou o que faria o trabalhador de escritório sentado ao meu lado se eu lhe tirasse a caneta da mão com que escrevinhava apressadamente e a estudasse com um olhar de curiosidade intensa? Seria considerada, no mínimo, anti-social e, o pior, seria considerada doente mental.
As pessoas fazem esse tipo de coisa na Índia. O livro que eu estava a ler era-me arrancado das mãos e minuciosamente examinado com um fascínio extasiado. Ou a minha caneta era-me roubada enquanto eu estava a escrever no meu diário e a pessoa que ma tirava dizia:
- Memsahib, considero esta ser muito boa caneta do seu belo país natal a Inglaterra.
O meu próprio comportamento era igualmente bizarro. Eu entrava pelas cozinhas de um restaurante num barracão à beira da estrada e ajudava a cozinhar ou deambulava embrulhada no meu saco-cama ou, para escapar às multidões, trepava a uma árvore e lia o meu livro empoleirada como um abutre no ramo de cima, enquanto uma multidão de cabeças escuras fazia pequenas reverências curiosamente por debaixo de mim."
 
Josie Dew  em "Pelo Mundo em Bicicleta"

domingo, 2 de fevereiro de 2014


"Some of us were already feeling the necessity
to explore the art that lay between the arts."
 
Dick Higgins, Prefácio a "The Four Suits"

"Tudo isto e muito mais pode acontecer e aconteceria sem dúvida
se somente dedicasses uns minutos a sentir o que te rodeia
se deixasses que o mundo participasse plenamente do teu mundo,
se conhecesses o belo poder de escrever um poema."
 
Fayad Amis  em "Puede ocurrir"

sábado, 1 de fevereiro de 2014

"Thelonious semelhante ao cometa que, exactamente dentro de cinco minutos, levará consigo um pedaço da terra (...) Quando se senta ao piano, toda a sala se senta com ele e produz um murmúrio colectivo do tamanho exacto do alívio (...) Então é Pannonica ou Blue Monk ... passou apenas um minuto e já estamos na noite fora do tempo, a noite primitiva e delicada de Thelonious Monk.
Mas isso não se explica: A rose is a rose is a rose. Está-se numa trégua, há um intercessor, talvez nos redimam noutra esfera."
 
Julio Cortázar em "A volta ao piano de Thelonious Monk"